Nota de esclarecimento sobre as
proposições que pretendem tornar facultativo o pagamento das anuidades dos
conselhos de fiscalização.
Associação Nacional dos Advogados e Procuradores
das Ordens e Conselhos de Fiscalização – ANAPROCONF, entidade sem fins
lucrativos que congrega todos os advogados/procuradores efetivos de carreira
dos Conselhos de Fiscalização, com representação nacional, no cumprimento das
suas atribuições estatutárias, considerando o Projeto de Lei nº 1885/2019 e da Emenda à Medida Provisória nº 873/2019, de autoria dos
Excelentíssimos Senhores Deputados Federais José Medeiros e Tiago Mitraud, que
visam tornar facultativo o pagamento das anuidades dos Conselhos de
Fiscalização, vem clarear toda a discussão com algumas considerações acerca das
irremediáveis consequências que as alterações tratadas nas proposições
legislativas poderão causar ao sistema nacional de trabalho e, principalmente,
à sociedade.
Os Conselhos de Fiscalização Profissional são
autarquias federais com regime de direito público (ADI 1717), instituídas
mediante lei para a função delegada de fiscalizar as atividades profissionais,
bem como zelar pela ética nas profissões, obedecidas as disposições legais
(art. 21, XXIV, e 174, ambos da Constituição Federal).
As atividades desenvolvidas pelos Conselhos de
Fiscalização são de relevante importância para o Estado, na medida em que essas
autarquias exercem o poder de polícia de registrar, fiscalizar e zelar pela
ética profissional, bem como possuem representantes em diversos órgãos das
esferas federal, estadual e municipal, que contam com representantes dos
Conselhos (por exemplo, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de
Esportes etc.).
Há décadas a União delegou relevante parcela da
fiscalização profissional aos Conselhos de Fiscalização em razão das
especificidades e prerrogativas de cada profissão, permitindo que órgãos
especializados, compostos por integrantes da mesma profissão, normatizem e
promovam o controle das atividades profissionais, nos termos da lei.
Segundo levantamento preliminar feito pelo Tribunal
de Contas da União, no ano de 2016, por meio da Fiscalização de Orientação
Centralizada (FOC), no Brasil existem 28 Conselhos Federais e 531 Conselhos
Regionais, com cerca de 7,8 milhões de
pessoas físicas e 1,3 milhões de
pessoas jurídicas registradas em Conselhos Profissionais. Para a realização
das suas atividades, contam com aproximadamente 23.523 pessoas, compreendendo
servidores concursados efetivos, cargos de livre nomeação (cargos em comissão),
terceirizados e estagiários.
Todas as despesas dos Conselhos são custeadas
preponderantemente pelas anuidades pagas pelos profissionais e pessoas
jurídicas registradas. Alguns Conselhos contam, ainda, com receitas
provenientes da aplicação de multas decorrentes de autos de imposição de multa.
No julgamento da ADI 1717, houve a declaração de
inconstitucionalidade do art. 58 da Lei Federal nº 9.649/98, que tentou dar
roupagem de “autarquia federal privada” aos Conselhos de Fiscalização,
conferindo a estas entidades a natureza jurídica de autarquias federais de
regime de direito público, em razão do exercício de poder de polícia. Assim, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou quanto a natureza de
direito público dos Conselhos de Fiscalização (ADI 1717, ADI 1697, RE 958712
AgR/SC
etc.). A Ordem dos Advogados do Brasil, considerando a sua natureza jurídica
específica e a sua relevância
na defesa da ordem constitucional, principalmente da cidadania, possui natureza
diversa dos Conselhos de Fiscalização (STF – ADI 3026).
Na ADI 1717, consolidou-se, ainda, a
natureza tributária das anuidades devidas pelos Conselhos de Fiscalização,
qualificando-as como tributos, especificamente como contribuições de interesse
das categorias profissionais ou econômicas, previstas no art. 149, caput, da Constituição Federal,
revestidas, portanto, da compulsoriedade do art. 3º do Código Tributário
Nacional (Lei Complementar – art.146, CF).
Alinhado ao entendimento do Supremo Tribunal
Federal, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União também acolheu a
natureza autárquica dos Conselhos de Fiscalização (Acórdãos 096/2016 –
Plenário, 2573/2018 – Plenário etc.). Merece destaque o recente entendimento
daquela Corte de Contas no sentido de que a Controladoria Geral da União deverá
incluir os Conselhos de Fiscalização no rol das entidades a serem auditadas por
sua equipe de controladoria interna (Acórdão 192/2019 - Plenário). O TCU também
já comparou os Conselhos de Fiscalização com as Agências Reguladoras, pois
ambas são autarquias, dispõem de autonomia, poder de polícia e realizam
fiscalização e controle em suas áreas de atuação (Acórdão 908/2016 – Plenário).
É amplamente perceptível que a consolidação do
regime de direito público dos Conselhos de Fiscalização deflagrou a necessidade
da instituição e aperfeiçoamento de mecanismos de gestão, governança, controle
(interno e externo) e demais exigências constitucionais e legais, próprias da
Administração Pública, como por exemplo, realização de concurso público para a
contratação dos seus servidores, a serem admitidos mediante o regime jurídico
único dos servidores civis da Administração Pública Federal (STF - ADI 2135, RE
549.211 AgR, ARE 1069751, RE 596187 etc.), contratação de serviços e aquisição
de produtos mediante prévio processo licitatório, prestação de contas aos
órgãos de controle externo e interno, submissão à Lei de Acesso à Informação,
sujeição dos gestores à Lei de Improbidade Administrativa etc. Por outro lado,
foram reconhecidas prerrogativas próprias de entes públicos, como por exemplo,
imunidades tributárias, prerrogativas processuais próprias de fazenda pública,
possibilidade de inscrição e cobrança das suas dívidas mediante o procedimento
da inscrição em dívida ativa e execução fiscal etc.
Considerando a consolidação da jurisprudência
acerca dos Conselhos de Fiscalização, surge a incompatibilidade entre a
natureza privada dos Sindicatos de categorias profissionais e a natureza
pública das entidades autárquicas responsáveis pela fiscalização profissional.
Da mesma sorte, as contribuições (mensalidades) devidas pelos associados
(filiação facultativa – art. 5º, XX, CF) aos sindicatos não possuem nenhuma
relação jurídica com as contribuições (tributos – art. 149, CF) devidas pelos
profissionais aos Conselhos de Fiscalização, cujo fato gerador é o registro
profissional nas respectivas autarquias de fiscalização (art. 5º, Lei
12.514/11).
Resta evidente nas justificativas do Projeto de Lei nº 1885/2019 e da Emenda à Medida Provisória nº 873/2019,
de autoria dos Excelentíssimos Senhores Deputados Federais José Medeiros e
Tiago Mitraud, não houve o adequado aprofundamento quanto à distinção da
natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização e dos Sindicatos, bem como das
respectivas fontes de custeio das suas atividades.
As entidades sindicais são pessoas jurídicas de direito privado criadas
por um grupo de trabalhadores ou empregadores voltados para a tutela dos
interesses particulares dos seus associados, enquanto os Conselhos de
Fiscalização são pessoas jurídicas de direito público instituídas pela
União, mediante lei, delegatários do poder de
polícia de controle, fiscalização e zelo da ética profissional, que atuam em
nome do Estado no interesse da sociedade. Ou seja, os sindicatos exercem as
suas atividades focados no interesse privado dos seus associados enquanto os Conselhos de Fiscalização atuam em nome do Estado, à luz do interesse
público da sociedade.
Existe inconstitucionalidade intransponível na
proposta legislativa de tornar facultativo o pagamento das anuidades aos
Conselhos, pois as mesmas possuem natureza tributária, carimbadas pela
compulsoriedade (art. 3º, CTN). Além disso, a improvável implementação da
facultatividade do pagamento das anuidades devidas aos Conselhos de
Fiscalização acarretaria na assunção das despesas decorrentes das atividades
fiscalizatórias destas autarquias pela própria União, especialmente em relação
ao pagamento dos salários dos seus milhares de servidores efetivos de carreira,
concursados. Caso contrário, os danos à sociedade seriam irreparáveis, pois não
subsistirão meios de sanções administrativas aos profissionais que atuam
irregularmente ou fora dos contornos éticos profissionais. Atualmente os
Conselhos são efetivos na punição ética, como reiteradamente divulgado na
imprensa.
Todo tributo é compulsório, como já dito, segundo disposição expressa do art. 3º do Código Tributário Nacional, que é a
lei complementar que trata da definição de tributo, segundo mandamento do art.
146 da Constituição Federal. Portanto, apenas lei complementar poderia alterar a
compulsoriedade de um tributo, sendo vedado a uma lei ordinária tratar do tema.
Diga-se, ainda, que essa renúncia de receita
tributária consiste em violenta afronta ao art. 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal que determina expressamente que a supressão de receitas na Administração
Pública deve ser precedida da indicação de medidas de compensação, com o
destaque de que a referida lei se aplica aos Conselhos de Fiscalização, conforme
recentes manifestações do Tribunal de Contas da União (Acórdãos 506/2017 –
Plenário, 2466/2019 – Primeira Câmara etc.).
Reconhecemos que, à luz da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União que caminham para a
forte publicização dos Conselhos de Fiscalização, chegando até mesmo a
aproxima-los das agências reguladoras. Todavia, deve-se reconhecer que o modelo de gestão atualmente praticado
no âmbito das autarquias de fiscalização profissional se mostra obsoleto, carente da implementação de
boas práticas de governança e transparência públicas, motivo pelo qual
entendemos ser oportuno o esforço dos Poderes Legislativo e Executivo para a
criação de mecanismos de aperfeiçoamento
da gestão e direcionamento finalístico das atividades dos Conselhos,
especialmente em razão do afastamento da supervisão ministerial, como
reconhecido pelo próprio TCU.
Assim, a ANAPROCONF se propõe a cumprir o seu dever estatutário perante a sociedade de iluminar a discussão sobre
o tema com essa breve exposição sobre o cenário jurídico dos Conselhos de
Fiscalização, acreditando que as citadas proposições legislativas são
juridicamente inviáveis, pois as contribuições sindicais em nada se assemelham às
anuidades dos Conselhos de Fiscalização, obstando qualquer tratamento legislativo semelhante.
A associação se coloca à disposição da sociedade e
não medirá esforços para a orientação e prestação de todos os esclarecimentos
que a sociedade e os Poderes Legislativo e Executivo, bem como os Conselhos de
Fiscalização, precisarem para que se evite a deturpação da natureza jurídica
das anuidades devidas aos Conselhos de Fiscalização, alertando, ainda, a
inevitável necessidade de estudos e discussões acerca das medidas necessárias
para o aperfeiçoamento e reestruturação das atividades finalísticas dos
Conselhos de Fiscalização.
ANAPROCONF
Créditos imagem: Laycer Tomaz/Câmara dos Deputados