Advocacia Pública, inclusive no âmbito dos
Conselhos de Fiscalização, no exercício de suas funções prescinde da denominada
independência funcional, que deve ser compreendida como a prerrogativa que
assegura aos advogados públicos o exercício da função pública de assessoramento
e representação dos entes públicos independentemente de subordinação
hierárquica, seja dos outros poderes, seja dos próprios chefes ou órgãos
colegiados que compõem a estrutura orgânica da Advocacia Pública.[1]
O princípio da independência funcional tem o seu fundamento constitucional no
art. 133 da Constituição Federal, no qual está consagrado que o advogado é
indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, que também se
estende aos advogados públicos, aos quais são estendidas às prerrogativas dos
advogados privados, segundo disposição expressa do § 1º, do art. 3º, do
Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal nº
8.906/94), e art. 8º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB.[2]
A importância da autonomia funcional da
Advocacia Pública foi muito bem contextualizada por Dalmo de Abreu Dallari:
[...]
o Procurador Público é quem torna certo que o Poder Público não é imune ao
Direito. Compete-lhe defender os interesses sociais, particularizados numa
entidade pública, sem excessos ou transigências, sempre segundo o Direito.
Conscientes de que o poder político e a atividade administrativa são expressões
da disciplina jurídica das atividades de direção
e
administração da Sociedade, o Procura dor, orientando ou
promovendo a defesa de interesses, jamais deverá omitir o fundamento jurídico
de seu desempenho. E sua consciência jurídica não lhe há de permitir que, pela
vontade
de agradar ou pelo temor de desagradar, invoque o Direito segundo critérios de
conveniência, para acobertar ações ou omissões injustas[3]
Há um movimento que a cada dia ganha mais
força, denominado “Movimento Advocacia Pública”[4]
que patrocina o Projeto de Emenda Constitucional nº 82/2007 (apensada ao
substitutivo PEC 82-A/2007), conhecida como a “PEC da Probidade”, que altera e
acrescenta dispositivos constitucionais para a consolidação da autonomia
funcional e independência institucional às Advocacias Públicas. Já houve
parecer favorável em todas as comissões e aguarda a inclusão da pauta do
plenário da Câmara dos Deputados para a sua votação[5].
Além da autonomia funcional e independência
institucional, são asseguradas outras prerrogativas de índole processual à
Advocacia Pública como garantia do efetivo exercício da função por seus
titulares, expressamente disciplinadas na legislação de processo, especialmente
no Código de Processo Civil, que no Título VI, do Livro III, da sua Parte
Geral, (arts. 182 a 184) disciplinou a
atuação processual dos advogados públicos.
Sob esse panorama,
recentemente o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 600/2017, consolidou o
entendimento de que os Procuradores dos Conselhos de Fiscalização, no regular
exercício de suas atividades funcionais, não poderão ser responsabilizados por
atos praticados pela gestão, reconhecendo-se que esses profissionais
representam órgão de consulta e representação da Administração Pública:
33. Análise: Embora,
segundo defende o responsável, as medidas tomadas para a contratação dos
serviços advocatícios tenham base em pareceres exarados pela Consultoria
Jurídica do CFF, a aprovação da contratação dos serviços advocatícios por
meio de decisão própria da Diretoria do CFF é um ato independente e
não vinculado ao referido parecer.
34. A consultoria
jurídica visa apoiar as decisões a serem tomadas pelo administrador, mas não
vinculam a sua atuação. A decisão de aprovar a contratação dos
serviços advocatícios e a posterior celebração de termo aditivo foi
da Diretoria, por meio das Reuniões nº 12/11, de22/3/2011 e nº
27/11, de 06/07/2011 (peça 12, p. 109-110 e 166-169, do TC
028.564/2011-1).
35. Este Tribunal
possui entendimento firmado (Acórdãos 2.540/2009-TCU1ª Câmara, 2.753/2008-TCU2ª
Câmara e 1.801/2007-TCU–Plenário) no sentido de que a
responsabilidade do gestor não é afastada neste caso, pois a ele cabe a decisão
sobre a prática do ato administrativo eventualmente danoso ao erário. O
fato de ter agido com respaldo em pareceres técnicos e/ou jurídicos
não tem força para impor ao administrador a prática de um ato
manifestamente irregular, uma vez que a ele cabe, em última instância, decidir
sobre a conveniência e oportunidade de praticar atos administrativos,
principalmente os concernentes a contratações, que vão gerar pagamentos.
36. O
fato de o administrador seguir pareceres técnicos e jurídicos não o
torna imune à censura do Tribunal. Em regra, pareceres técnicos e jurídicos não
vinculam os gestores, os quais têm obrigação de analisar a correção
do conteúdo destes documentos. Assim, a existência de parecer não
exime o gestor de responsabilidade, a qual é aferida levando em
consideração a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos
relacionados com a gestão de recursos públicos no âmbito da fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da administração
pública federal, exercida pelo Congresso Nacional com o auxílio deste
Tribunal, em conformidade com os arts. 70, caput, e 71, inciso II, da
Constituição Federal.
Os gestores do Conselho de
Fiscalização objeto da Tomada de Contas Especial pretenderam atribuir a
responsabilidade pela irregularidade da licitação aos Procuradores da
Autarquia, porém o Tribunal de Contas da União, em consonância com o art. 133
da Constituição Federal e Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, reconheceu
que os pareceres técnico jurídicos são orientadores, apenas (Acórdãos 2.540/2009-TCU1ª Câmara, 2.753/2008-TCU2ª
Câmara e 1.801/2007-TCU–Plenário).
[1] SILVA FILHO, Serly Barreto. O controle da
legalidade diante da remoção e da inamovibilidade dos advogados públicos. Revista de Informação Legislativa. Ano
35. Nº 139 – jul/set. 1998, pp. 143-154.
[2] Sobre a indistinção entre a Advocacia
Privada e Advocacia Pública: “Não se justifica, tampouco, sob essa óptica, nem
que se discrimine, em termos de prerrogativas e garantias, seja a advocacia
privada da advocacia pública e, nesta, que se discrimine funcionalmente
qualquer das procuraturas públicas. Ao contrário: o aperfeiçoamento
institucional das funções essenciais à justiça há de seguir a linha apontada
pelos princípios dessumidos do ordenamento constitucional, de modo a que se
obtenha o máximo de prestância na afirmação de um Estado de Justiça,
Democrático e de Direito” (MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. As Funções
Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista Informação Legislativa. ano 29. nº 116. out/dez. 1992, pp.
79-102).
[3]
DALLARI. Dalmo de Abreu. O
renascer do Direito. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 47.
[5] Proposta de
Emenda à Constituição nº 82-A, de 2007, do Sr. Flávio Dino e outros, que
"acresce os arts. 132-A e 135-A e altera o art. 168 da Constituição
Federal" (atribui autonomia funcional e prerrogativas aos membros da
Defensoria Pública, Advocacia da União, Procuradoria da Fazenda Nacional,
Procuradoria-Geral Federal, Procuradorias das autarquias e às Procuradorias dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios) e apensada (PEC 82/07).
Segundo a
proposta, seriam reafirmadas as autonomias administrativa, orçamentária e
técnica da Advocacia Pública com a inclusão do art. 132-A: “Art. 132-A. À
Advocacia-Geral da União e órgãos vinculados, bem como às Procuradorias-Gerais
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incumbe a orientação
jurídica e a defesa, em todos os graus, dos entes públicos, asseguradas
autonomias administrativa, orçamentária e técnica, além da iniciativa de
organização dos seus quadros e de propostas orçamentárias anuais, dentro dos
limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Parágrafo único. Os
membros da Advocacia Pública são invioláveis no exercício das suas funções e
atuam com independência, observada a juridicidade, racionalidade, uniformidade
e a defesa do patrimônio público, da justiça fiscal, da segurança jurídica e
das políticas públicas, nos limites estabelecidos na Constituição e nas leis
pertinentes”.
O art. art. 168
passaria a contemplar a autonomia orçamentária e financeira da Advocacia
Pública: “Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias,
compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos
Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia-Geral da
União e órgãos vinculados, das Procuradorias Gerais dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, bem como da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues
até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se
refere o art. 165, § 9º, da Constituição Federal.”